quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

Aparecida e Vó Cristina


            De certa feita, Aparecida, menina moça e um pouco assanhada, perdeu-se na vida. Não resistindo aos clamores hormonais, entregou-se ao Tõe do Zé Domingo. Nunca confirmara que fora com ele, mas era o que o povo dizia.
            Naquela época, menina perdida só tinha um caminho: a zona de meretrício. Quase sempre, era encaminhada por um parente ou por um padrinho que a entregava sob os cuidados da dona de um lupanar.  

            Aparecida gostava muito de minha avó. A velha Cristina sempre tinha um bom conselho. Era amiga de todos. A coitada da Aparecida, às vésperas, de se novo desígnio, fora visitar a avó Cristina. Despedir-se e pedir-lhe a benção.

            A velha Cristina, pacientemente, ouviu as queixas e as mágoas da Aparecida. Eram muitas. Afinal, era um castigo muito grande, por tão pouco. Uma execração!  Para ambas era impossível entender que a honra da mulher tivesse residência fixa entre as pernas. Mas, às mulheres daquela época não cabia discutir ou contestar. À Aparecida só restavam duas opções: sumir no mundo ou acatar, resignadamente, a decisão daquela sociedade rural machista e desumana. O mundo dela era muito pequeno para se esconder. Seu mundo pouco ultrapassava a cerca da pequenina propriedade rural de seu pai.
            Depois de muito ouvir, a avó Cristina, pensativa e com lágrimas nos olhos, tomando, entre as suas, as mãos mal cuidadas de Aparecida, saiu com essa:

            -           Minha filha, isto não é o fim. Pode ser até um começo. Pois uma bunda, se bem administrada e gerenciada, dá mais lucro que morar na roça.

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Martins
13/0214