sábado, 11 de abril de 2015

Lazinho


             O Lázaro morrera. Tinha apenas uns 35 anos. Chagásico, teve um ataque fulminante. Ele caiu a cerca de 200 metros da sede da fazenda de meu pai. Deixava um pedaço pequeno de terras, adquirido com muito esforço e sacrifício, e uma família com 6 filhos. Os mais velhos, Antônio, Juquinha e Lazinho já tinham idade suficiente para ganhar o seu próprio sustento. A Aparecida, após ficar um tempo com sua mãe cuidando dos irmãos menores, acabou indo para a zona de meretrício.

             A parte da herança que tocou para cada um dos filhos era muito pequena, pois a viúva tinha direito à metade. Assim mesmo, tentaram dar continuidade às atividades, plantando roça em todas as áreas onde fosse possível. Foram dividindo as dores e os sofrimentos e o pouco que lhes sobrava das colheitas.

             Lazinho, com o passar do tempo, resolveu tomar novos rumos, quebrar paradigmas. Procurou um vizinho e negociou com ele a parte que lhe tocara. Permutou seu quinhão de terra por um cavalo e toda sua tralha, tal qual, a sela completa, rédeas, freio, cabresto e, até mesmo, as esporas e o restante do preço combinado recebeu em dinheiro vivo. Não demorou muito e ele gastou este dinheiro nas vendas da região com cachaça e em jogo de sinuca.

            Em pouco tempo Lazinho descobriu que ter um cavalo que servia somente para passeios não era um bom negócio. Conseguiu, então, trocá-lo por uma égua e uma capinadeira ou carpideira de tração animal. A diferença de preço, mais uma vez, recebeu em dinheiro. Novamente, destinou este troco à cachaça e à sinuca.

             A égua e a capinadeira foram colocadas no serviço duro e pesado nas roças de seus irmãos. Com poucos dias de trabalho a égua amuou. Nem andar ela conseguia. Uma estafa total. Lazinho correu atrás e conseguiu outra permuta. Trocou a égua e a capinadeira por um revolver Rossi 38, acompanhado de uma caixa de bala. Ainda conseguiu uma diferença em dinheiro, que teve o mesmo destino das demais: cachaça e sinuca.

              Sem ferramenta de trabalho e sem dinheiro, e bastante aborrecido, Lazinho gastou a caixa de bala atirando em porteiras, cruzes à beira das estradas, em lagartos e passarinhos. Procurou um vizinho e trocou o Rossi por uma garrucha 22, mais 12 balas e uma pequena parte em dinheiro. O dinheiro em menos de uma semana foi consumido, mais uma vez, em cachaça e sinuca.

             Numa tarde de domingo, na venda do Tiãozinho Fonseca, bebeu tudo que achava que tinha direito. Na hora de pagar a dívida se deu conta que não tinha um centavo sequer. Tentou negociar a garrucha com os presentes, mas ninguém se interessou pela arma. Tiãozinho, para não ficar no prejuízo, então propôs trocar a garrucha pela dívida, dando-lhe de troco uma lata de bolachas Maria.

            A proposta foi prontamente aceita pelo Lazinho. Entregou a garrucha, colocou a lata de bolachas nos ombros e tomou o destino de casa. Cambaleando e tropeçando aqui e ali, desceu a ladeira em direção ao córrego Mata-burro. A passagem do córrego era feita numa pinguela, cujo corrimão era de bambu. Já estando no meio da pinguela, com uma mão segurando a lata no ombro e com a outra se apoiando no corrimão, cambaleou. Perdeu o equilíbrio e o corrimão não suportou o peso e se partiu. A queda foi grande. Eram mais de 3 metros de altura. Na queda, a lata de bolachas foi lançada contra umas toras de pinguelas antigas e quebradas no leito do córrego. Com o impacto, a tampa da lata não resistiu. Na medida que a lata ia afundando, as bolachas iam brotando no leito do córrego. Lazinho, estatelado sobre as toras, sem nada poder fazer, apenas ficou olhando o que restou de sua herança, que como um passe de mágica, nascia do fundo das águas e tomando o destino da corrente límpida, tranquila e silenciosa das águas do Mata-burro.
                                              

Patos de Minas, abril de 2015.

Nenhum comentário:

Postar um comentário